A atuação do jornalista
De qualquer forma, a principal finalidade do jornalismo é fornecer aos cidadãos as informações de que necessitam para serem livres e se autogovernarem, definição dos jornalistas norte-americanos Bill Kovach e Tom Rosenstiel. Nada mas essencial na sociedade moderna e atual, na qual ,comparativamente, o jornalista possui também uma visão muito particular, com a agravante de que, com a internet, ele passa muito mais tempo na tentativa de sintetizar o grande volume de informação a que tem acesso, sem que atue na busca própria do que é efetivamente a sua visão do fato ou do acontecimento. Em outras palavras, o jornalista atual é passivo e pouco procura saber da realidade que é sua responsabilidade narrar.
A forma de mudar isso seria o jornalista entender melhor o significado original de objetividade para dar mais solidez e concretude à informação. O jornalismo tem suas raízes intelectuais no Iluminismo dos séculos 17 e 18 e que pode se traduzir na ideia da Primeira Emenda da Constituição Norte-americana: no meio da diversidade de pontos de vista é maior a possibilidade de se conhecer a verdade. Estudiosos entendem que essa ideia permitiu a objetividade no trabalho jornalístico.
No caso específico do fotojornalismo, que também gera conhecimento, provoca sensibilização, contextualiza e incita a imaginação de que quem vê uma foto produzida no campo da realidade, visualiza o arranjo do seu espaço no mundo digital, de modo que sua dimensão informativa seja percebida e observada. A fotografia dos meios digitais é um suporte da informação imagética. Apesar de partir de padrões tradicionais, tenta construir uma nova maneira de prover conteúdo no ambiente limitado da internet.
Entretanto, a necessidade que os produtores de imagens fotográficas têm em atender às regras impostas pelas instituições para as quais trabalham e ao público que se utiliza das publicações dessas instituições para se informar, cria um discurso característico para cada publicação. Esse público, porém, precisa estar amadurecido para que reflita sobre a imagem que recebe e que lhe informa sobre uma realidade distante e não presencial.
A narração do fato
Muniz Sodré trata dessa questão em seu livro A narração do fato: “Há que se fazer a distinção entre fato e acontecimento, para demonstrar que o discurso informativo constrói e comunica, por meio da narração, as transformações e passagens no fluxo cotidiano”. Podemos interpretar isso como a maneira em chamar a atenção de que o jornalista é um mediador privilegiado, que constrói uma narrativa e entrelaça os fatos ao mesmo tempo em que envolve o público, prendendo os leitores e o tema, sob sua visão particular, no enredo de uma notícia.
Mesmo nessa condição privilegiada, o papel do jornalista auxiliar que o público consiga colocar as coisas dentro de uma determinada ordem. Por isso, o jornalista atua como um mediador ou “explicador” dos acontecimentos, o seja, para que assim atue, deve checar corretamente a informação e de forma a esgotar dúvidas, o que lhe dará condições de transmiti-la de forma ordenada, confiável, para eu o haja o correto entendimento do público.
Muniz Sodré explica que “a narrativa não é o relato do acontecimento, mas o próprio acontecimento, a aproximação desse acontecimento, o lugar onde este é chamado a se produzir, acontecimento ainda por vir e por cujo poder de atração a narrativa pode esperar, também ela, realizar-se.”
Sob essa ótica, o jornalismo, ao relatar o acontecimento, o faz com uma linguagem diferente da literatura. Evidente que segue os critérios que definem o valor-notícia ou o valor da notícia, ao qual se somam as questões da atualidade, proximidade, impacto, interesse público, relevância, intensidade, imprevisibilidade, entre outros.
Muniz Sodré chama a notícia de “economia da atenção” e a classifica como um produto. Como mercadoria, diz ele, a notícia tem um desenvolvimento modelar na imprensa norte-americana, país que considera a liberdade “uma garantia do direito civil de livre expressão e de representação da realidade cotidiana”. A notícia, além de transmitir os aspectos da realidade, é também capaz de criar uma realidade própria.
O fato seria uma combinação das unidades de resistência, de coisas. Só que, acentuamos, não é a própria coisa e sim uma objetivação conceitual da realidade dos fenômenos. E, ainda, há que se diferenciar o fato genérico (relativo a objetos e fenômenos) do fato social (relativo ao ser humano).
O fato torna verdadeiras ou falsas as proposições. Por isso, seu significado inclui as ocorrências e as ações. Em outro momento, Sodré explica que existe o conhecimento de fato e o conhecimento da consequência do que se afirma sobre determinada coisa. A ideia é indicar que os fatos são selecionados no cotidiano para que se possa fazer jornal e a notícia é um recorte que destaca o que compõe o acontecimento.
O fato pode ser provado na realidade. Sua representação social é o acontecimento (ou fato-histórico), com a diferença de que fato é, na verdade, uma elaboração intelectual e o acontecimento decorre da realidade.
Deleuze e Guattari explicam o que entendem por acontecimento: “não é absolutamente o estado de coisas; ele se atualiza num estado de coisas, num corpo, num vivido, mas ele tem uma parte sombria e secreta que não para de se subtrair ou de se acrescentar à sua atualização: ao contrário do estado de coisas, ele não começa, nem acaba, mas ganhou ou guardou o movimento infinito a qual dá a sua consistência”.
É o acontecimento que dá caráter de verdade ao fato e o transforma em notícia ou dá-lhe as características de notícia. O acontecimento não tem explicação racional, necessita de um enquadramento que permita estabelecer a delimitação de um campo e um fora de quadro. Esse, o quadro, determina o que deve ser visto, o que os americanos chamam de framing, um sistema de referência para dar sentido ao acontecimento. Nessa condição, o enquadramento midiático é a principal operação que, por meio da seleção e ênfase, constrói o acontecimento. Ou seja: os fatos ganham sentido com base na sua seleção e no tratamento dado a eles para a transmissão.
Arquembourg explica que “os acontecimentos são certamente fruto de um trabalho de constituição coletiva, mas eles imbricam também a participação de atores e de um público que não é apenas uma massa de consumidores de informações” para ressaltar que os jornalistas são, na verdade, atores que se mobilizam para a determinação dos fatos transformados em acontecimento midiático. Sodré explica que o “jornalismo dispõe de uma forma própria de conhecimento, construído a partir do que cada fato/fenômeno extraído da realidade social tem de singular”.
A singularidade é um tempo marcado pelo que chama de “aqui e agora” do cotidiano, captado pela forma com que se constrói o jornal. É esse “formato” singular do jornal que permite o diálogo que se trava entre lei e regra, sociedade e comunidade, impessoal e particular.
É, porém, parcial, pois deixa de lado as diferenças entre o que de real acontece e o que se traduz no acontecimento jornalístico, pois isso se desenvolve após o fato. Em resumo, o jornalismo pauta como singular apenas o acontecimento da atualidade e com base na visão particular de quem apura ou narra esse acontecimento.
O acontecimento precisa também ser compreendido sob a ideia do seu registro afetivo, não só com base na lógica argumentativa de suas causas. Isto significa incluir o lado sensível da situação, o que provoca nos sujeitos envolvidos o que disso poderá advir. Sodré explica: “em vez da mera transmissão de um conteúdo factual, se trata da conformação socialmente estética de uma atitude”, acrescentando que a comunicação do acontecimento mais influência do que comunica.
Enfim, Sodré entende ser difícil que o jornalismo atente para essa questão, pois já habituou as pessoas a consumir o que é apresentado, o que acarreta deixarem de perceber a realidade dos fatos do cotidiano, narrativas da história e das práticas humanas.