Leia o relato a íntegra:
“Acabo de chegar em casa depois de um plantão de 12 horas no Hospital Geral do Estado e, ao ler essa notícia que anexei (“Ivete e Bell recebem R$ 840.000,00 do governo para tocar sem cordas”), fiquei revoltado e me perguntando se o Governador Ruy Costa sabe dos seguintes detalhes:
1) Mais um plantão em que eu e um outro colega trabalhamos sozinhos em uma triagem de emergência para atender um número tão grande de pacientes externos e internados (9 deles em situação grave e indicação de UTI, monitorizados, alguns intubados), com o auxílio de apenas uma ou duas enfermeiras e alguns poucos auxiliares de enfermagem, um ABSURDO TOTAL.
Éramos 3 médicos até 6 meses atrás, mas precisaríamos de algo em torno de 5 para um atendimento, digamos, humano. Um dos médicos (lembram aquele que eu vinculei em um artigo anterior, cerca de 6 meses atrás, quando usei o título “Os amigos do rei”?) saiu aparentemente de licença médica e, IMAGINEM O DESCASO COM A SAÚDE, nunca retornou e não colocaram nenhum substituto, APESAR DO CHEFE DE PLANTÃO fazer essa solicitação diversas vezes! Ou seja, éramos 3, precisávamos de mais dois, mas acabou SAINDO MAIS UM.
A desculpa? – “FALTAM RECURSOS”. Pois é gente… DINHEIRO, porque médico não falta, se o Governador ou o Secretário de Sáude tiver alguma dificuldade de encontrar plantonistas, peço que me liguem que eu gastarei uns 15 minutos para encontrar uns 10 colegas dispostos a trabalhar. Mas para pagar a Ivete e Bell o governador tem dinheiro – essa quantia relatada aí na reportagem daria para pagar um plantonista por cerca de DUZENTOS E QUARENTA MESES, isso mesmo, 20 anos. esses políticos são ou não são piores que um câncer?
Imaginem vocês o que representa uma situação dessa: tenho alguns poucos minutos para atender e resolver o problema de um paciente, alguns segundos de espaço entre um e outro atendimento e NENHUM momento de descanso… MAS, será que todos têm esse gosto e essa determinação em tentar resolver tudo, será que todo chefe de plantão fica feito o nosso andando pra lá e pra cá feito doido pra tentar resolver tudo? – óbvio que não, nem têm obrigação de cobrir os erros do governo. Se o movimento aumentar 10% ocorrerão mortes a cada hora por falta de atendimento.
Para os senhores terem uma idéia dos que atendi sob internamento e acompanhei hoje, só eu (não estou contando o que o meu colega atendeu): um Acidente Vascular Hemorrágico gravíssimo + dois choques sépticos + um Edema Agudo de Pulmão + uma insuficiência respiratória por acidose + uma insuficiência cardíaca + uma provável embolia pulmonar. Todos com prontuários FEITOS por mim, detalhadamente, e IMPRESSOS EM COMPUTADOR (que, por sinal, eu levo de casa porque FALTAM RECURSOS à SESAB, já pedi diversas vezes e, como nunca fui atendido, levo o meu computador e a minha impressora). Os que atendi e liberei foram muitos, dois deles eu mandei para o ambulatório da Mansão do Caminho para ficarem sob os meus cuidados porque, se eu não fizer isso, não iriam encontrar atendimento do SUS e morreriam à míngua.
2) Precisei de Ecocardiograma para três pacientes graves e, IMAGINEM, a colega que faz esse exame está de licença e, PASMEM, não colocaram substituto… MAIS AINDA, a que trabalha na quinta está de férias e, IMAGINEM, não colocaram substituto… MAIS AINDA, só tem profissionais fazendo Ecocardiograma na maior emergência pública da Bahia esses dois dias na semana; resumindo: estamos sem Ecocardiograma no HGE durante todo o mês, sem esse exame é quase impossível lidar com pacientes cardíacos; resultado, tratamento inadequado e possível aumento de mortalidade. Porque isso ocorre? – “FALTAM RECURSOS”. Pois é gente… DINHEIRO, porque Ecocardiografista não falta e o aparelho está lá, parado quase o tempo todo porque não contratam médicos; se o Governador ou o Secretário de Saúde tiver alguma dificuldade de encontrar esses profissionais, peço que me liguem que eu gastarei uns 15 minutos para encontrar uns 10 colegas dispostos a trabalhar.
Com o dinheiro que eles vão dar para esses dois cantores poderíamos colocar o aparelho de Ecocardiograma para funcionar TODOS OS DIAS, durante 34 meses, isso mesmo, dois anos e dez meses. Mas eles vão dar R$ 840.000,00 para uma comemoração de Carnaval, apenas cerca de 6 horas para cada cantor.
Por Diogenes Matos/Bahia no ar