Apelidado de Boca do Inferno e Boca de Brasa por suas críticas ácidas, Matos foi deportado pela Coroa portuguesa para Angola e voltou ao Brasil pouco antes de morrer, aos 59 anos. Barros diz ainda que, como a Bahia nunca teve um setor industrial forte, as agências de publicidade do Estado tiveram de se aproximar do governo e de políticos para sobreviver. Autor de 18 livros sobre marketing eleitoral, o paulista Carlos Manhanelli diz que as agências de São Paulo, eixo do mercado publicitário brasileiro, nunca se destacaram como as baianas nesse meio por um cálculo de custo-benefício. "Campanhas envolvem ideologia, e os clientes têm ideologia, então, as agências perdem clientes quando entram em campanha." Para o cientista político pernambucano Antônio Lavareda, publicitários baianos devem parte de seu sucesso ao caldo cultural em que se criaram, o mesmo que deu origem a ícones da cultura popular brasileira, como Maria Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Dorival Caymmi e Gal Costa. "É natural que a Bahia, que tem referências culturais muito associadas a raízes populares e à música, tenha gerado profissionais com pendor para uma comunicação bastante emocional, que é a que tem dado mais certo na política." Publicidade versus jornalismo Consultor em comunicação e conselheiro do presidente Michel Temer, o potiguar Gaudêncio Torquato diz que a ascensão dos marqueteiros baianos mudou a forma de fazer campanha política no Brasil. Segundo ele, as campanhas no país sempre se equilibraram entre a visão jornalística, baseada na difusão de informações, e a visão publicitária, de conteúdo mais emotivo, "até que os baianos chegaram e impuseram a visão publicitária". Para Torquato, o publicitário Duda Mendonça, que, em 2002, chefiou a primeira campanha vitoriosa de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência, levou a estratégia às últimas consequências e criou uma "grife". No livro Emoções Ocultas e Estratégias Eleitorais, de Antônio Lavareda, Duda conta que sua tarefa na eleição de 2002 era apresentar ao Brasil "não o Lula das greves, dos sindicatos, mas um Lula humano, tranquilo, que tinha família, filhos e netos". A imagem do "Sapo Barbudo", apelido irônico cunhado em 1989 por Leonel Brizola, deu lugar ao "Lulinha paz e amor", e o petista venceu o pleito. Duda se destacara na política nacional ao conduzir Paulo Maluf, hoje preso na penitenciária da Papuda (DF), à prefeitura de São Paulo, em 1992. A célebre peça em que as obras do político eram listadas em meio ao slogan "Foi Maluf que fez" acabou replicada pelo baiano sete anos depois na campanha presidencial argentina. Com o slogan "Menem lo hizo", Duda tentava eleger o candidato apoiado pelo então presidente Carlos Menem, Eduardo Duhalde. Lá, a tática não funcionou. Para Gaudêncio Torquato, Duda "é o grande responsável pela 'McDonaldização' do marketing político brasileiro: a aplicação de um mesmo modelo em várias campanhas". Citado no escândalo do mensalão em 2005 (e absolvido sete anos depois pelo Supremo Tribunal Federal), Duda se afastou da política e passou o bastão a seu ex-sócio João Santana, que assessorou Lula na reeleição e chefiou as duas campanhas de Dilma Rousseff. Nascido em Tucano, no sertão baiano, Santana deu novo impulso à internacionalização do marketing político brasileiro. Em 2009, chefiou a campanha vitoriosa de Mauricio Funes, em El Salvador; em 2012, as de Hugo Chávez, na Venezuela, de Danilo Medina, na República Dominicana, e de José Eduardo dos Santos, em Angola; e, em 2013, voltou à Venezuela para eleger Nicolás Maduro. Em 2014, sofreu o primeiro revés ao assessorar José Domingo Arias, no Panamá. A projeção de Santana no exterior ocorreu paralelamente à expansão internacional de empreiteiras brasileiras, entre as quais as baianas Odebrecht e OAS. Em 2016, num desdobramento da operação Lava Jato, o marqueteiro e sua mulher, a publicitária Mônica Moura, foram presos enquanto eram investigados pelo recebimento de recursos no exterior. Em acordo de delação premiada com o Ministério Público Federal, o casal disse que os pagamentos foram feitos pela Odebrecht e estavam relacionados aos trabalhos da dupla em Angola, na Venezuela e no Panamá. Ambos afirmaram ainda que Lula lhes pediu que realizassem as campanhas nesses países. Advogados do ex-presidente dizem que delações não são provas e que quem acusa o petista busca benefícios judiciais. A Odebrecht diz colaborar com as investigações. Em 2017, Santana e Moura foram condenados pelo juiz federal Sérgio Moro a oito anos de prisão por lavagem de dinheiro, acusação que contestam. Eles aguardam em liberdade o julgamento de seu recurso em segunda instância. Santana não respondeu a um pedido de entrevista da BBC Brasil. Depois da Lava Jato, publicitários da Bahia continuarão dominando o marketing político brasileiro? Com a saída de cena dos figurões, outros profissionais do Estado vêm ocupando espaços. Chefe das campanhas exitosas de Jacques Wagner e Rui Costa ao governo da Bahia, o publicitário Sidônio Palmeira assumiu em 2017 a conta do PT nacional e é cotado para dirigir a próxima campanha do candidato da sigla à Presidência. Mauricio Carvalho, que assessorou o petista Alexandre Padilha na última disputa para governador de São Paulo, é outro que negocia um posto de destaque neste ano. Mas há quem avalie que a primazia baiana chegou ao fim. Para Gaudêncio Torquato, os eleitores brasileiros amadureceram e passaram a desconfiar de campanhas políticas com forte tom emocional, marca dos publicitários baianos nas últimas décadas. "O voto está subindo do coração para a cabeça." Para Lavareda, as principais contas da eleição ficarão com personagens que vinham atuando em segundo plano, entre os quais o argentino Guillermo Raffo, que participou da campanha de Aécio Neves em 2014, e o gaúcho Marcos Martinelli, chefe da campanha de Amazonino Mendes ao governo amazonense, em 2017. Outros avaliam que marqueteiros baianos continuarão a se destacar. Fernando Barros, da Propeg, afirma que a proibição de doações empresariais no pleito de 2018 fará com que publicitários tenham de ser mais criativos. Ele diz que a Bahia ainda é a maior escola do marketing político brasileiro e seguirá exportando quadros para as grandes disputas nacionais. "Até hoje você não forma uma equipe de marketing político no país sem ter um baiano no meio."