O problema da obrigatoriedade da frequência escolar nas escolas de tempo integral quando a proposta é associada à temática das drogas

(Fotocomposição: 97NEWS)

A questão em torno das vantagens e desvantagens da chamada "escola em tempo integral" é pouco debatida e pode operar indevidas percepções, sobretudo quando se insere na narrativa a temática das drogas.


O debate muitas vezes impera na argumentativa do senso-comum, que se resume de forma superficial em argumentos do tipo: "melhor na escola do que na rua usando drogas". Não há qualquer estudo sério que correlacione drogas/tempo longe da escola. De fato, há uma constatação empírica de que muitos indivíduos que usam drogas não cumprem assiduamente a agenda escolar, entretanto tal constatação não nos permite um raciocínio inverso: que a assiduidade escolar influenciaria no consumo ou não de drogas. Aliás, droga também é um tema altamente impregnado pela narrativa vasconça do senso-comum, mas não vou aqui adentrar nessa questão.


Pois bem. Ninguém ousa duvidar que a educação seja a solução de boa parte dos problemas sociais. Porém, quando se fala em educação, não se fala, necessariamente, em ambiente escolar. A escola não é um espaço sacramental de purificação dos indivíduos, tampouco - é bem verdade - se propõe a ser. Qual seria o resultado positivo em se ter um aluno integralmente na escola, longe dos outros espaços públicos e de outros ambientes? Se a resposta for: "ele estará longe do assédio do tráfico", estamos sendo altamente preconceituosos e infantis em acreditar que a coisa funciona assim: "Eih!, já que não temos escola o dia todo, que tal experimentarmos uma droga ou trabalhar para o tráfico?" Convenhamos que a vida não é assim! Tem mais usuários de drogas numa faculdade de medicina do que numa escola pública do subúrbio. A sociedade teima em compreender que o consumo de drogas não é exclusividade das pessoas (no caso, alunos) de baixa renda e nem da periferia, muito embora a política estatal de combate às drogas os elegeram como alvo, levando à morte e ao encarceramento dos indivíduos de estratos sociais mais pobres, numa verdadeira "política de criminalização da miséria" - diria Loïc Wacquant. Nesse particular, devemos debruçar na tese foucaltiana e notar algumas formas modernas de confinamento dos indivíduos, de tal sorte que, deixar tais indivíduos o dia inteiro sob o controle estatal pode parecer um tanto quanto perturbador e, até mesmo, nada pedagógico.


O fato é que, O Estado, inoperante, sempre arruma um jeito de resolver um problema social enclausurado indivíduos. Com efeito, penso que, nas escolas de tempo integral, o segundo turno escolar deveria ser opcional, onde o aluno entra e sai quando quiser, sem a exigência de permanência por parte do poder público. O interessante é que o aluno saiba que ele tem disponível um ambiente salutar, de aprendizado e interação, cabendo à escola atrai-lo, sem coação, isto é, um ambiente que não aparente uma espécie de confinamento desfarcado. Com a obrigatoriedade, a proposta de escola em tempo integral, com sua ausência de um debate multidisciplinar, pode ser, ainda que inadvertidamente, um local segregatório, onde o Estado - deficiente - deixa determinados indivíduos sob a sua custódia e vigilância integral, de modo que a proposta - direcionada aos alunos de baixa renda, que são a maioria nas escolas públicas - pode assumir contornos preocupantes, com consequências desastrosas em médio e longo prazo.


Lado outro, devemos questionar, por exemplo, se os recursos públicos gastos para manter a escola em tempo integral não poderiam ser melhor utilizados no aprimoramento do ensino em um único turno, como na qualificação dos docentes, construção de laboratórios científicos e oferecimento de uma matemática de ponta.


Enfim, posso estar errado, e não descarto tal possibilidade, pois existem poucos estudos a respeito do tema, mas, partindo de um descomprometido olhar liberal, não simpatizo muito com essa história de Estado, Poder Público, "integral" na vida das pessoas, sobretudo vida de adolescentes e pré-adolescentes específicos, os quais também necessitam de outros espaços coletivos, além do escolar, para aprimorarem suas relações sociais, afetivas e o intelecto.