O impacto do Estatuto do Desarmamento nos homicídios brasileiros

Foto: Conteúdo 97News

Após 13 anos vigente, o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/03) voltou ao centro das discussões em todo o país, que propõe sua revogação e a criação de novas regras para a circulação de armas de fogo no país. Novos debates, discursos favoráveis e contrários à revogação do estatuto, estão em alta nas redes sociais do país. As discussões se estendem a veículos de mídia, palestras, seminários. Embora com variações de abordagem, traço comum aos debates são os números do Mapa da Violência, o estudo mais confiável sobre violência homicida no Brasil. Curiosamente, a mesma fonte é utilizada nos dois extremos, ora para apontar que os homicídios continuaram a aumentar depois da vigência da lei atual, ora para garantir que aumentaram em ritmo menor. Ainda que se admita como verdadeiras as duas afirmações – o que já é contestável quanto ao ritmo de aumento de homicídios -, elas, isoladamente, não se prestam a retratar os efetivos impactos do Estatuto do Desarmamento para a violência homicida brasileira, cuja compreensão passa por um campo distinto e, curiosamente, até mais simples. Ao se analisar qualquer quadro de violência homicida, o dado primordial para seu entendimento não são os números absolutos – embora sejam estes os de maior impacto -, mas as taxas de ocorrências por grupo populacional. É um valor que se convencionou representar na fração por 100 mil habitantes, tal como é utilizada no Mapa da Violência, e que em si já abrange, para finalidades estatísticas, a evolução demográfica do grupo pesquisado. E é daí, exatamente, que se extrai o primeiro elemento comparativo direto sobre os efeitos do Estatuto do Desarmamento nas taxas gerais de homicídio. 

Por outro lado, tratando-se de uma legislação especificamente voltada às armas de fogo, o segundo indicativo de seus efeitos pode ser objetivamente compreendido pela participação percentual deste meio letal no total de assassinatos registrados no país. Afinal, se o objeto da lei foi impedir que o cidadão tivesse fácil acesso às armas – no que, aliás, foi bastante eficaz -, seria natural que, depois dela, a utilização de armas de fogo para a prática homicida fosse proporcionalmente menor. Independentemente de posicionamentos ideológicos ou esforços interpretativos, a aplicação de critérios estatísticos isentos não respalda invocar efeitos positivos com a aplicação da lei atual, salvo se assim for considerada a drástica redução do comércio de armas no país – de 2,4 mil lojas em 2000 para menos de 280 em 2016. A questão é que essa redução não diminuiu a taxa média de homicídios ou sequer a participação das armas de fogo no total destes. Talvez isso se explique porque, como há muito vêm insistindo os críticos do estatuto, não é a circulação legal de armas que abastece os assassinos.